0 Fatos falam por si mesmos a bordo de um navio que está afundando


Submersão. Aflição.
E assim o tempo passa em intervalos constantes. Fico aqui pensando em sereias, guelras e nadadeiras. Tudo ou qualquer coisa que pudesse me salvar do fundo. Que me empurrasse à superfície novamente. Que me trouxesse forças para respirar.
Mais dez minutos e eu aqui, olhando fixamente pro relógio como se isso fosse mudar alguma coisa. Eu sei que não vai mudar. E ainda assim deixo que a expectativa me corroa como se eu fosse um parafuso inútil, de uma engrenagem que já não funciona mais, largado na chuva que agora cai gélida e escorre pelos meus cabelos.
Já não estranho a chuva que agora se mistura com minhas lágrimas, ambas caindo debilmente pelo chão do convés. A noite avança como se nunca tivesse existido o dia. Olho pro céu e as pesadas nuvens negras, acompanhadas de relâmpagos e trovões me assustam como nunca antes.
A ressaca do mar é impressionante. Agora, surgem imensas ondas que empurram o grande e pesado navio como se ele fosse feito de papel. Há desespero lá embaixo e por todo o lado, mesmo assim, continuo sob a chuva, os olhos fixos nas nuvens e nas ondas que parecem aumentar a cada respiração minha.
Essa ressaca me lembra seus olhos. Tempestuosos e temperamentais. Isso me acalma. entretanto, o desespero abaixo de meus pés aumenta. Vejo lançarem âncoras. Crianças choram e correm, mães tentam acalmar seus filhos. No corre-corre geral, objetos são deixados pra trás. Vidas são largadas ao chão como se nada pudesse salvá-las.
Sinto um momento de glória, a cada momento me vejo mais próxima daquele céu tão interessante. O mar, repentinamente, se acalma. Uma lua surge a pratear na negritude das nuvens. Me vejo cair. Mergulho, fundo, mas já não tenho ponto de apoio. Nem me dou conta de que vou, cada vez mais fundo, na imensidão do mar pulsante.
De súbito, volto a mim. Desespero-me. Um pedaço de porta me serve de apoio. Agora, porém, me encontro à deriva. Por todo lado, cadáveres de homens, mulheres e crianças. Nem os mais fortes sobreviveram. A chuva recomeça. E a paz habita meu coração outra vez.

                                                           Thaynara Araujo.

0 Sobre amor e dor

Dizem que é fácil falar de amor e dor. E que eu só falo disso. A verdade é que é estranho se sentir limitado a ter o que falar. Isso é o que eu sei, ou o que eu acho que sei, ao menos. As pessoas não entendem. Sim, pode parecer clichê, além de parecer ser todo aquele discurso de “menininha-sofrida-que-mora-no-fim-do-mundo-e-reclama-de-querer-muito-mais”. É uma pena desapontá-los, mas não, não é isso. 

Me sinto como uma pessoa que, no fim das contas, nasceu para viver só. Palavras de conforto não vão ajudar. Eu sou chata, desconfiada, e extremamente exigente comigo mesma. Eu quase nunca consigo confiar nas pessoas, e tenho níveis de dopamina e serotonina incrincrivelmente baixos, uma combinação muito perigosa, aliás. 
Eu passo grande parte do meu tempo ouvindo pessoas. E tentando ajudá-las. Eu adoro ouvir histórias, mas não me peça conselhos se não estiver mentalmente capacitado para me ouvir falar. Eu não sei medir palavras. Eu não sei usar de eufemismos. Enfeitar sentimentos não é comigo. 
Mas quem é que faz isso por mim? Eu não quero ser entendida e não faço esforço para tal. Eu não conto nada a praticamente ninguém. Detesto falar de mim, e quando falo, sinta-se lisonjeado, por favor. Você é uma das exceções que escolhi para desvendar um pedaço de mim. A verdade é que, na maior parte do tempo, eu queria estar sozinha. E só. Paz. 
Ou falta de paz. Não tenho paz. Sou feita de medos e sonhos impossíveis. De aspirações e rigidez. Não me peça para falar quando estou calada. Não me pergunte o que eu tenho, como se isso fosse mudar alguma coisa. Eu tenho nada e tudo ao mesmo tempo. Eu tenho dor e amor. Eu sou solidão. E eu não sei explicar.

                                                       Thaynara Araujo.
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